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Uma reflexão sobre (a falta de) reflexão

Com uma lista de meditações, Marco Aurélio colocou em mim a pressão quase forçada de observar o carácter humano enquanto pratico a tão exigente tarefa de fare niente.

Crónica de Beatriz Mirão



Do alto dos meus vinte e três anos, meditar – ou praticar qualquer outro sinónimo – não é algo que se tome como urgente. Nem sequer como necessário. Aliás, meditar a.k.a. parar, até se torna assustador se considerarmos a quantidade de pensamentos autocríticos que podem atentar à vida normal de uma wannabe adulta cujo plano preferido de domingo à noite é planear – e atente-se: preencher – cuidadosamente todos os rectângulos de um Google Calendar colorido. São infinitas tarefas, infinitos planos sociais que deixam uns breves dois segundos para pensar – e pensar realmente – exactamente antes de adormecer e chegar à conclusão - já de manhã – que nem se chegou realmente a meditar sobre o assunto.


Entre pensamentos interrompidos e um corrupio de tarefas completas com suor e dedicação, encontrei Marco Aurélio. E não o encontrei sozinho, perdido, desamparado ou antes de qualquer outra pessoa. Muito pelo contrário, encontrei-o depois do Bill Clinton. Depois do Papa. E pasme-se: depois de Frederico, o Grande. Isto não mostra nada mais do que uma grande – e franca – falta de cultura estóica que decidi continuar a ignorar no exacto momento em que preconceituosamente verifiquei que estava perante mais um livro de auto-ajuda – daqueles que só ajudam realmente os seus autores. Com este pensamento em mente e um sorriso de desdém, decidi folhear. Passar os olhos pelas linhas, procurar umas respostas. E não é que as encontrei?


Em poucas páginas, ali mesmo no meio da livraria, a minha insignificância ficou inevitavelmente reduzida a pó. Com uma lista de meditações, Marco Aurélio colocou em mim a pressão quase forçada de observar o carácter humano enquanto pratico a tão exigente tarefa de fare niente. Doutrinas à parte, todas as reflexões mantêm-se absolutamente vigentes desde o dia em que foram redigidas até ao dia de hoje. E aqui encontra-se o ponto fulcral: a procura da ataraxia, o atingir da felicidade mantêm-se incessantemente como o motivo de grande parte das nossas questões. Dezoito séculos para trás e as meditações de Marco Aurélio são praticamente hoje as mesmas que as minhas. Algumas delas, sem tirar nem pôr. A diferença aqui coloca-se unicamente no tempo que disponho para me debruçar sobre elas. Estarei eu iludida pelo barulho regular da vida, pela pressa dos vinte anos que não me permitem reflectir? Nada que não se resolva com um novo evento no calendário, este agora, com hora de início mas sem hora de fim. Reflectir é tão relevante hoje como no segundo século D.C.. Tardiamente, infelizmente (ou felizmente!), parar na livraria foi a minha forma de lá chegar.

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