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Três por Todos, porque o Governo não está por ninguém

Não foi um tweet. Não foi uma petição. Não foi um testamento num post de Instagram. Foram mais de 50 horas de emissão sem interrupções da Rádio Renascença com as Três da Manhã: Ana Galvão, Joana Marques e Filipa Galrão.

De Teresa Brito e Faro


De quarta a sexta-feira da semana passada, deve ter sido batido um qualquer recorde de maior sacrifício feito em nome da cultura em Portugal. A Renascença, em parceria com o Grupo Ageas, dedicou estes três dias aos profissionais do espetáculo, não esquecendo os elementos dos bastidores, através de uma ação solidária pela União Audiovisual. Embora o apoio financeiro a um setor esquecido na pandemia tenha sido uma grande bandeira desta iniciativa, o Três por Todos foi muito mais do que uma angariação de fundos – juntou, no Rossio, artistas de todas as áreas da Cultura, assim como muitos ouvintes que se quiseram mostrar solidários e deixar mensagens encorajadoras à equipa da Renascença.

A comunidade que acompanha as Três da Manhã religiosamente materializou-se e provou que poucos programas de rádio teriam um impacto semelhante ao que este trio teve numa emissão com fins solidários. Ficou também provado que, com o ano que passou, os artistas e os técnicos que vivem do espetáculo continuam sem respostas suficientes do Governo, sobrevivendo à custa dos esforços da sociedade civil, nomeadamente da União Audiovisual.


A associação surgiu informalmente em Abril de 2020, devido à necessidade de dar chão a quem o tinha perdido de um momento para o outro. Infelizmente, esta necessidade perdura e, até hoje, já foram ajudadas cerca de 256 famílias em todo o território nacional – através da doação de bens alimentares e outros de primeira necessidade.

Já não importa insistir na importância da música, da literatura, do teatro, da arte, da televisão e do cinema nas nossas vidas - está estabelecido que precisamos da Cultura. Então, porque é que, aos olhos de quem nos governa, ela não existe?

O Orçamento de Estado para 2021 contempla, para a Cultura, uma verba que representa 0,36% do total. Retiramos o valor atribuído à RTP, e passa para 0,21%. Segundo o Eurostat, em 2018, Portugal era o terceiro país da União Europeia que menos investia na Cultura. Ainda assim, a média europeia não é nenhuma meta ambiciosa: investe-se, em média, 1% do PIB neste setor, quando ele representa, a nível de volume de negócios, 4,4% do PIB, valor superior ao das telecomunicações, da indústria automóvel, da alta tecnologia e da farmacêutica (dados de 2019). Conseguimos ficar mal, dentro do insuficiente.


Apelos à valorização da Cultura, como o que faço neste texto, são importantes, mas não faltam. Em 2021, o impacto que uma publicação nas redes sociais pode ter já não é novidade, porém, também não surpreende que a avalanche de informação e chamadas de atenção diárias resultem numa banalização das preocupações que merecem, de facto, o nosso foco.


Por esse motivo é que releva aplaudir iniciativas como a do Três por Todos e da União Audiovisual – fazer rádio sem dormir duas noites não é o mesmo que assinar uma petição e passar um ano a apoiar famílias em dificuldade não é o mesmo que escrever uma crónica.

Enquanto a Cultura for invisível para alguns, teremos de continuar a contar com a comunidade de artistas, técnicos de som, palco e luz, autores, produtores e outros profissionais que se mostrou coesa e solidária durante o último ano. Não lhes é exigível que façam este esforço para sobreviver, mas não deixam de aparecer e lutar lado a lado por um futuro onde recebem tanto quanto nos dão – onde as suas necessidades básicas não têm de ser asseguradas, a título de exemplo, por três personalidades da rádio que abdicam das próprias.

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