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Queer Lisboa - A importância de estar presente


O Festival Queer Lisboa exibirá os filmes em competição até sábado, dia 26 de Setembro, dia em que serão anunciados os vencedores de cada categoria em competição. Podem vê-los todos no Cinema São Jorge e os bilhetes estão à venda no próprio local até meia-hora antes do início da sessão.



Crítica de António Vaz Pato

Estudante de Biologia, FCUL


Não há dúvidas de que, desde que a pandemia foi decretada pela OMS, novos vocábulos e novos hábitos entraram no nosso quotidiano. Entre máscaras e toques de cotovelo, fomos assimilando os termos que regem hoje a nossa convivência. O mais sonoro e relevante deles todos talvez seja o “distanciamento social”. Escolha infeliz de palavras, a meu ver, uma vez que implícita e inconscientemente nos sugere uma realidade contrária à nossa natureza mais elementar: a ausência de interação social. Muitos eventos culturais tentaram, por meio de estratégias muito criativas, adaptar-se à nova normalidade sem pôr em causa a proximidade social que é tão vital à sobrevivência da cultura e do próprio Homo sapiens. A cultura, aliás, apesar das possibilidades infinitas e deslumbrantes do mundo virtual, não funciona a longo-prazo sem a colectividade, uma vez que muitas formas culturais perdem por completo o seu sentido e intenção se não forem apreciadas nesse contexto. É o caso do teatro, da música e… do cinema. Há certas coisas que a internet nunca conseguirá substituir.


Senti esta mensagem de forma mais expressiva no 24º Festival Queer Lisboa, a decorrer esta semana até sábado, dia 26 de Setembro. O próprio director artístico do festival de cinema, João Ferreira, não esconde que os princípios basilares do festival vão contra esta tendência actual para nos afastarmos socialmente. No manifesto, que dá mote à edição do Queer Lisboa deste ano, organizado num cenário atípico, João Ferreira diz-nos que, “O Queer Lisboa e o Queer Porto celebram o presente e recusam terminantemente o “distanciamento social”. Celebram a presença, a corporalidade, mas também o medo e o risco.”.






Os termos-chave que orientam o festival são, mais uma vez, termos que traduzem muito bem a essência humana (aqui uso o termo num sentido holístico, sem crenças nem crendices). São eles “Cruising”, “Sex”, “Bodies”, “Skin”. “Play”, “Memory”. Os filmes procuram revelar as várias ligações entre os termos, tanto que os começamos a compreender não como ideias isoladas mas sim como uma teia intrincada e diluída. João Ferreira sublinha, no seu manifesto, a forma como estes termos nos ensinam “sobre a influência dos nossos contextos vivenciais e sociais, dos lugares que habitamos na construção das nossas identidades voláteis.” De facto, o movimento LGBTQI+ veio (re)introduzir estas ideias, talvez chocantes para os mais conservadores (de conservadores todos temos um pouco, na verdade), que reafirmam as nossas origens e a nossa identidade como espécie humana. É importante não termos receio de falar daquilo que nos é mais natural e intrínseco, como é o caso da memória, do sexo, da descoberta, da errância e do toque (consentido, claro).


Os seis conceitos servem-nos de introdução para a mostra de filmes deste ano. A selecção é verdadeiramente excepcional e conta com competições nas mais variadas categorias, desde o documentário à curtas, passando pelas longas. As temáticas tocam assuntos que misturam contextos culturais, sociais e políticos e contam-nos a forma como esses cenários reflectem as lutas e os desafios das comunidades LGBTQI+ um pouco por todo o mundo. As questões que os filmes colocam são muitas das vezes inquietantes e de uma importância fundamental para compreendermos não só a nossa natureza mais íntima, mas também aquilo que nos une como seres humanos. Ainda que necessitemos de colocar a todos o seu devido rótulo para navegarmos mais facilmente por este mundo complexo, descobrimos que na verdade a convergência entre grupos e “rótulos” é muito maior. Os filmes do Queer visam no fundo quebrar essas barreiras, essas tais caixas que nos prendem a uma ideia pré-definida e estereotipada.


O Festival Queer Lisboa exibirá os filmes em competição até sábado, dia 26 de Setembro, dia em que serão anunciados os vencedores de cada categoria em competição. Podem vê-los todos no Cinema São Jorge e os bilhetes estão à venda no próprio local até meia-hora antes do início da sessão. Fica a sugestão para visitarem a galeria Stolen Books em Alvalade, onde estará ao longo do próximo mês a exposição Race d’Ep, que nos conta um pouco da História do movimento LGBTQI+ no século XX. Os portuenses ainda terão oportunidade de acompanhar na Invicta o Festival Queer Porto, que começa no dia 13 do próximo mês com sessões de cinema marcadas no Teatro Rivoli e na Reitoria da Universidade do Porto até dia 17 de Outubro.


Desengane-se quem acha que este festival é apenas para a comunidade LGBTQI+. Posso garantir ao leitor que é muito mais do que isso. Aqui sentimos a palavra “todos” de forma mais intensa e presente. E este “todos” só faz sentido se nos formos libertando das amarras desse perigoso “distanciamento social”.




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