O objetivo da ação ecológica individual não é nem deverá ser o de ostentar qualquer tipo de superioridade moral. É, sim, o de levar a sociedade a mudar os seus hábitos de consumo de forma exequível, sem esquecer todas as desigualdades sociais, e, ao mesmo tempo, o de fazer pressão para que a nossa economia se torne sustentável

Crónica Greve de Porta Aberta de Filipe Carvalho
Activista climático e gestor de um pequeno negócio de alimentação vegana
Há alguns anos que uma nova visão sobre o consumo tem vindo a dominar a mente do consumidor mainstream e a tomar lugar no debate público, seja este ideológico, político, moral ou na ótica do mercado; irei apelidá-la neste texto de “Ideologia Verde”. Este termo abarca, entre outras, a perspectiva de que, para salvar o planeta e a espécie humana, temos de alterar os nossos hábitos de consumo e estilo de vida individuais de modo a conseguir, através das leis do consumo, manipular o mercado a fim de o tornar sustentável.
A linha de ideias apresentada, ou muitas vezes subentendida, é a de que, se consumirmos menos produtos com uma elevada pegada carbónica associada, como produtos de origem animal, importados, processados ou industriais, e os substituirmos por produtos mais sustentáveis, como produtos biológicos, veganos, locais, frescos, etc., o mercado ajustar-se-á pela lei da oferta e da procura: a maior procura destes produtos levará a uma oferta maior e mais variada e a “indústria verde” desenvolver-se-á, ao mesmo tempo que competição do mercado levará os preços dos produtos a baixarem.
Este é um ponto de vista viável e que se começa a demonstrar plausível cada vez que visitamos uma loja, mercado ou supermercado e nos deparamos com uma quantidade cada vez mais alargada, mas também variada, de produtos biológicos, veganos, locais e afins. Esta transição do mercado é necessária se queremos construir um futuro sustentável. Não podemos lutar pelo ambiente e pela preservação dos ecossistemas se não temos a disposição de mudar os nossos hábitos de consumo. No entanto, a maneira como esta ideologia está a penetrar no discurso público deixa muito a desejar. É preciso ter sempre cuidado para não nos deixarmos levar pela corrente na qual nadamos, esquecendo o objetivo e o porquê de termos começado a nadar.

O que acontece quando uma pessoa tenta adotar um estilo de vida mais “ecológico” é que se depara frequentemente com várias fronteiras: por um lado, estas são estabelecidas pelos próprios “profetas da Ideologia Verde”, pois o preço elevadíssimo dos produtos torna uma parte deste mercado inacessível; por outro lado, há a intolerância que a maior parte da sociedade tem para com a “incoerência” daqueles que defendem o ambiente e apregoam o veganismo e o consumo responsável “de smartphone com bateria de lítio na mão”. Quem tece estas críticas esquece-se de que atualmente é inconcebível ter uma vida ao estilo de um “monge da sustentabilidade”. O objetivo da ação ecológica individual não é nem deverá ser o de ostentar qualquer tipo de superioridade moral, por se ser “o mais sustentável” ou “a que encontra melhores soluções para x ou y”. É, sim, o de levar a sociedade a mudar os seus hábitos de consumo de forma exequível, sem esquecer todas as desigualdades sociais, e, ao mesmo tempo, o de fazer pressão para que a nossa economia se torne sustentável, seja no mercado mas também na gestão dos recursos, abandonando tanto quanto possível os recursos não renováveis e transformando a economia numa ferramenta para a preservação do nosso planeta.
É sabido que o maior inimigo da sustentabilidade e do equilíbrio do planeta Terra é a quantidade massiva de emissões de carbono que a indústria dos combustíveis emite, facto que não pode ser ignorado nem esquecido se queremos falar de sustentabilidade. Este consumo desmedido de combustíveis fósseis aumenta a pegada carbónica de cada produto importado, restringindo um pouco mais a possibilidade de existir um consumo sustentável num mercado globalizado. Sempre que o consumo responsável e verde nos faz esquecer esta questão, dando-nos a sensação de tranquilidade por termos “feito a nossa parte”, está a fazer um serviço às indústrias petrolíferas, alienando a sociedade do verdadeiro problema que, sem dúvida ou exagero, levará a humanidade a enfrentar a maior crise que alguma vez ameaçou a sociedade como a conhecemos - o colapso climático.