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Economia de Francisco

Economia de Francisco é um evento em Assis – símbolo de paz e de diálogo - para o qual o Papa convidou os jovens, não só economistas e gestores, mas também empreendedores sociais e outros change makers a encontrarem-se, a partilharem experiências, conhecimento científico e a chegarem juntos a um compromisso.


Crónica de Vicente Goes

Estudante de Economia na NOVA-SBE


Ilustração de Francisco Miguel

Estudante de Fine Arts na Chelsea School of Art



Muitos se assustarão perante este nome. Economia de Francisco. Mas agora o Papa é economista? Será que vai fundar uma ideologia económica com o seu nome? Não deveria estar ele preocupado com os assuntos da Igreja? Que tem a Igreja que ver com a Economia?


Há que ter calma. O Papa Francisco não é economista. Da minha experiência em Buenos Aires posso dizer que ele se formou em Química e em Psicologia antes de se tornar jesuíta. E o “Francisco” de que se fala não é ele, mas São Francisco de Assis. O santo da criação, dos pobres e das criaturas da natureza. O santo que, contemplando a beleza da Criação, cantava alegremente.


Basta olhar com atenção para os ensinamentos da Igreja, nomeadamente dos Papas pós-Concílio Vaticano II, para deduzir que o Papa Francisco não é revolucionário, nem ativista, nem comunista. Os seus antecessores já se referiam às problemáticas do mundo natural, à necessidade de uma “conversão ecológica”, à unidade indivisível da natureza ou à necessidade de mudanças profundas nos modelos de produção e de consumo. A economia e a ecologia dizem respeito à Igreja porque dizem respeito ao homem.


Aliás, a Doutrina Social da Igreja, onde a famosa Encíclica “Laudato si’” se insere, é justamente o conjunto dos ensinamentos da Igreja tendo em conta a aplicação do Evangelho à vida em sociedade. Não se trata de propor ideologias alternativas, mas de vincar a dimensão social da fé – que assenta em pilares como a Solidariedade, a Dignidade da Pessoa Humana, a Subsidiariedade, o Bem-Comum e reafirma a Opção Preferencial pelos Pobres e o Destino Universal dos Bens. A Igreja Católica não é “de esquerda” nem “de direita” – seja qual for o alcance dessa distinção -, mas é de Cristo. Além disso, a religião Católica não promove a alienação dos homens, antes propõe que estes construam o Reino de Deus, já aqui na terra.


A mais recente Encíclica social “Laudato si’” desenrola-se em redor de um tema central: a ecologia integral. Esta temática prende-se com o facto de, na vida humana e na sociedade em que estamos inseridos, tudo e todos estarem ligados. Neste sentido, a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior, por via da valorização da dimensão espiritual do homem, são linhas de ação não só inseparáveis, mas interdependentes. Na verdade, cada uma delas só será plenamente esgotada se o for em harmonia com as restantes.


Não se trata de propor ideologias alternativas, mas de vincar a dimensão social da fé – que assenta em pilares como a Solidariedade, a Dignidade da Pessoa Humana, a Subsidiariedade, o Bem-Comum.

Em globalização, assumindo a Economia – bem ou mal - a centralidade que assume, não há mudança social que se possa promover sem começar por ela. O Papa questiona o rumo que a Economia tem tomado: morte, exclusão, desumanização, devastação da criação. Será a Economia ainda uma ciência social e humana que, em articulação e diálogo com as outras ciências, estuda o fenómeno complexo que é o homem, centrando a sua ação nele? Ou já é uma ciência exata, autossuficiente, totalmente absorvida pela maximização do lucro, pela minimização do custo, pela concorrência feroz, pela velocidade instantânea e alucinante das trocas e transações, pelos modelos de crescimento sem limite?


Os dados dizem que o ser humano hoje é mais rico do que nunca, que as economias têm tido uma tendência de crescimento ascendente desde que chegou o capitalismo, e que os países se têm tornado no geral mais evoluídos, materialmente mais abundantes. É verdade. Muitos advogam que o capitalismo era a única maneira de evitar que as calamidades patentes a qualquer sistema comunista se espalhassem pelo mundo e levassem à devastação humana. Não nego.


Mas ainda estamos no pós-guerra, ainda vivemos em guerra fria? Será que tanto investimento em tecnologia e investigação não nos permite aspirar a mais para a vida e a sociedade? Não há margem para melhorarmos, para nos adaptarmos, para resolver problemas estruturais e crónicos do sistema? Estamos conformados com o rumo dos acontecimentos? Isto basta?


A terra começa a revelar os sintomas de esgotamento, já que, como qualquer corpo natural, não possui forças e recursos ilimitados; os mais pobres clamam por condições de vida dignas, por oportunidades justas; e o populismo alimenta-se destes clamores. Na verdade, as desigualdades sociais agravam-se não só entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas sobretudo dentro dos próprios países. Atualmente, há mais riqueza concentrada no 1% de homens mais ricos do mundo, do que nos outros 99%.


Será que tanto investimento em tecnologia e investigação não nos permite aspirar a mais para a vida e a sociedade? Não há margem para melhorarmos, para nos adaptarmos, para resolver problemas estruturais e crónicos do sistema?

O Papa acredita que é possível mudar para melhor. Acredita que é possível curar estas feridas, que a busca desenfreada e desumana pelo crescimento dê lugar a uma saudável promoção do desenvolvimento sustentável. Acredita em valores como o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das gerações vindouras. Haverá mais “valor acrescentado” que este? O Papa não só acredita na mudança, como confia aos jovens esta mudança. Não espera que sejam os interesses instalados – aqueles que nos conduziram até aqui - a deixar de olhar para o lado. O futuro aos jovens diz respeito e serão eles os “protagonistas da mudança”.


Economia de Francisco é um evento em Assis – símbolo de paz e de diálogo - para o qual o Papa convidou os jovens, não só economistas e gestores, mas também empreendedores sociais e outros change makers, a encontrarem-se, a partilharem experiências, conhecimento científico e a chegarem juntos a um compromisso. Pretende-se propor “um novo modelo económico e social” virado para o futuro e em que a pessoa humana – na diversidade e complementaridade das suas dimensões material, individual, familiar, comunitária, laboral, científica, espiritual, cultural, religiosa - é o centro.


O futuro diz presente. Os jovens são os protagonistas, e os convidados – tais como prémios Nobel, economistas, professores e cientistas de renome – terão a função de moderadores. Os jovens serão reunidos em “aldeias”, conforme as suas áreas de conhecimento e ação. O modelo a construir, mais do que dos valores fundamentais pré-definidos, vale pela diversidade de dimensões abarcadas e pelo valor inesperado que qualquer um decida aportar à discussão. Pela positiva, olhando para o futuro. A própria diversidade das “aldeias” comprova a abrangência e a abertura deste processo: “CO2 of inequalities”, “Management and Gift”, “Policy and Happiness” são exemplos destas “aldeias”, e o convite é estendido não só àqueles que “têm o dom da fé, mas a todos os homens de boa vontade”; não só a economistas, mas a todos os que se sintam chamados a contribuir; não só a europeus, mas a 4000 jovens de todo o mundo.


Vem aí ar fresco, novos ventos: novos modelos, novos pressupostos, novos fundamentos filosóficos, novos elementos psicológicos, novos objetivos a atingir, novas formas de medir valor, novas conceções da economia e do mundo, novos esquemas mentais e de aplicação da moral, novas formas de integrar domínios do saber, novas maneiras de ensinar e de aprender. De facto, Economia de Francisco não será um momento histórico, protocolar, simbólico. Economia de Francisco é um processo que já começou, nas Universidades, em cursos preparatórios, em conferências formativas, em estudos particulares; que se sintetizará em Assis com o Papa em novembro; e que tem muito que ver com o futuro, com o “depois”, com o “passar à ação”.


Termino com as palavras do Papa, escritas aos jovens na Exortação Apostólica “Cristo Vive” e que foram reafirmadas na carta que enviou como lançamento deste caminho. Caminho até Assis e a partir de Assis, iluminado pelo exemplo de Francisco, o Santo desse lugar, aquele que deu nome ao Papa e se fez pobre com os pobres:


“Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. (…) Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor.” (n. 174).

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