top of page

E tu? Quando viste porno pela primeira vez?

Lembram-se da primeira vez que viram pornografia? Que idade tinham?
Sempre que faço estas perguntas a amigos meus fico chocada com as respostas. O mais comum é ser entre os 8 e os 12 anos.

de Constança Cardoso


Eu própria, infelizmente, tive o meu primeiro contacto com a pornografia com 10 anos. Estava a minha turma practicamente toda reunida para celebrar o fim do nosso 4º ano. Enquanto os pais conversavam, fomos para uma sala ver televisão. Estávamos a ver morangos com açúcar, que, na altura já era bastante hardcore na minha cabeça, quando de repente um dos miúdos muda para um daqueles canais “proibidos”. Não podia ter sido uma cena mais gráfica, mais crua que aquela que estava a dar. Lembro-me de entrar em choque, mas não ser capaz de fechar os olhos. De todas as coisas que tinha imaginado que o sexo poderia ser, aquela com certeza não era uma delas. A actriz gritava tão alto que dei por mim completamente assustada. Tive uma súbita vontade de chorar, ou de vomitar, ou ambos. Na minha cabeça, os seus gritos e a maneira agressiva como ela era tratada significavam que, afinal, o sexo era algo extremamente doloroso e violento. Não havia qualquer tipo de amor envolvido, como me tinha dito a minha mãe. “Sexo é algo que duas pessoas fazem quando estão muito apaixonadas”. Não podia estar mais confusa.

Ainda assim, olhava à minha volta e todos os meus colegas pareciam estar a ter uma experiência radicalmente diferente. A maior parte ria à gargalhada, como naturalmente ri um miúdo ao fazer algo “proibido”. Percebi aí que para a maior parte dos rapazes aquela não tinha sido a primeira vez que tinham visto algo semelhante, e os que não tinham visto eram gozados.


Faço agora uma pergunta semelhante. Alguma vez tiveram educação sexual na escola? Não falo daquela visita anual da enfermeira que vinha ensinar a pôr um preservativo num pénis de esferovite. A verdade é que não conheço ninguém que tenha tido essa experiência, pelo menos de forma séria e contínua.

Reunindo os factores: sendo que a maior parte das crianças, ou pré-adolescentes, ou como lhes quiserem chamar, não falam sobre sexo com os pais abertamente nem têm acesso a educação sexual nas escolas, onde é que vão aprender sobre a sexualidade? A pornografia surge, então, como um manual de instruções para jovens curiosos que não têm como esclarecer as suas dúvidas de outra forma. Perguntar aos pais, na maior parte dos casos seria demasiado constrangedor, a escola também não oferece respostas e perguntar a amigos ou familiares mais velhos muitas vezes também não é uma opção, seja por vergonha, estigma, falta de intimidade, etc.


O que sobra, então, é uma pesquisa anónima, e uma plataforma que não julga. O problema, claro, é que o Pornhub, ou qualquer outro site pornográfico convencional, não é pensado para educar crianças. Façamos a experiência: naveguemos até à página inicial do Pornhub e vejamos os títulos e imagens que surgem. A esmagadora maioria do conteúdo é, em primeiro lugar, pensado por homens e para homens hétero, mesmo quando se trata de sexo entre mulheres. Isso torna-se claro, antes sequer de abrir os vídeos, tendo em conta o ponto de vista da câmara e os títulos. Em segundo lugar, a maior parte do conteúdo que surge na primeira página é explicitamente violento. Muitos dos ícones dos vídeos incluem mulheres ou adolescentes a serem agarradas pelos cabelos enquanto fazem isto e aquilo. Nos títulos, são descritas como “sluts” ou variantes.


Que fique claro que o objectivo deste texto não é, de todo, o kinkshaming. É sim, alertar para o acesso de jovens e crianças a conteúdo sexual misógino e violento sem qualquer tipo de contextualização.

Claro que, da mesma maneira que gostar de videojogos violentos não torna as crianças psicopatas, a pornografia mainstream não torna um rapaz num violador. Há muitos outros factores envolvidos na construção de um psicopata ou de um violador para além de conteúdo virtual. No entanto, não há como negar que este tipo de vídeos banaliza uma ideia do sexo como um jogo de poder, humilhação, violência e dominação sobre as mulheres. Desde o ponto de vista da câmara, aos diálogos, às posições sexuais, a tantas outras coisas, o porno mainstream passa uma ideia do sexo como um serviço das mulheres para com os homens. A ironia deste tipo de pornografia é que, por mais explicitas que sejam as imagens, por mais zoom que se possa fazer sobre os corpos, esta falha redondamente em captar os elementos mais importantes do sexo: consentimento, respeito e comunicação.


O que é que acontece, então, quando os jovens têm as suas primeiras experiências sexuais, sendo que tudo o que sabem sobre sexo veio do Pornhub ou de clichés cansados de Hollywood? Com sorte, pode ser uma boa experiência para os dois lados. Mas em grande parte dos casos, as primeiras experiências sexuais são dolorosas, constrangedoras e até traumáticas, principalmente para as raparigas. Os filmes e os sites pornográficos mainstream não são, de todo, formas saudáveis de se aprender sobre a sexualidade numa idade tão jovem. Não retratam de forma realista nem os corpos nem a própria relação sexual. As “imperfeições” do corpo são escondidas a todo o custo e tudo corre bem. No caso do porno, uns minutos de penetração sem “preliminares” são o suficiente para fazer uma mulher gritar de prazer e ter um orgasmo, e quanto mais violenta é a relação, mais parece melhorar a experiência. As mulheres parecem adorar qualquer coisa que se lhes faça neste tipo de vídeos e o homem nunca precisa de pedir para fazer algo, está implícito que ela fará tudo o que ele quiser.


Isto não é um ataque à pornografia por si. Nem toda é feita de forma misógina, violenta e ridiculamente performativa. No entanto, uma gigante parte desta indústria reúne estas características, e, no pior dos casos, lucra à custa de violação, tráfico humano e abuso de menores . Mesmo quando não há crimes envolvidos, oferecem conteúdo altamente descontextualizado que dará uma ideia nociva da sexualidade aos mais novos.

Uma vez que o acesso à pornografia não e algo fácil de controlar, e as grandes empresas deste ramo não vão deixar de fazer conteúdo violento descontextualizado, é urgente que haja uma resposta na educação. Algo que desconstrua as ideias mais nocivas que uma criança sozinha não é capaz de fazer e que mantenha um diálogo aberto e honesto com os jovens. Há que lutar por uma educação sexual obrigatória nas escolas, que ensine aos alunos que sexo sem consentimento, respeito e comunicação activa não é sexo, mas sim violência. E para isso não basta perguntar “ ’bora fazer isto? ” e obter uma resposta positiva. Há que saber reconhecer quando alguém está desconfortável a fazer algo, mesmo que não o diga, e nunca pressionar ninguém a responder “sim” depois de já ter ouvido um “não”.


Há também que reconhecer quando alguém não está em condições de tomar decisões lúcidas, como em caso de embriaguez visível. Há que ensinar aos jovens que um “sim” pode tornar-se um “não” a qualquer momento, independentemente do quanto a acção já se desenvolveu, e há que respeitar imediatamente essa decisão. O prazer de um nunca é mais importante que o prazer do outro e nunca devemos sacrificar o nosso bem-estar para satisfazer a pessoa com quem estamos. E, claro, há que deixar bem claro que o sexo é para ser disfrutado e que a dor indesejada não pode ter lugar nas relações sexuais.


Estas lições não se tiram da pornografia. Tiram-se de uma educação sexual basea

da em comunicação aberta e livre de julgamentos ou estigmas em que toda a informação é disponibilizada, todas as perguntas são respondidas e o objectivo final é sempre a saúde e bem-estar sexual dos jovens.

bottom of page